segunda-feira, janeiro 09, 2006

A caminho de Belém, cantando a Vila Morena

Ultimamente, vários comentadores têm tentado convencer o país de que o melhor que poderia acontecer ao governo de José Sócrates era a eleição de Cavaco Silva. No seu primeiro editorial como director do Expresso, Henrique Monteiro faz disso uma profissão de fé : “Não creio que (uma vitória de Cavaco Silva) cause qualquer embaraço ao governo”.
Ainda bem que HM se suporta na fé para tirar esta conclusão. A razão não é suficiente.

Esta campanha pretende fazer passar a mensagem de que Cavaco Silva é um homem que privilegia a estabilidade, o que, conhecendo o curriculum e a persionalidade do candidato, é uma a ideia bizzarra.
Em democracia, a estabilidade requer flexibilidade e abertura intelectual, predicados que não se descobrem na rigidez impenetrável da personalidade de Cavaco Silva. Embora ele garanta que com os amigos e a família é diferente, a sua falsa modéstia intelectual só em teoria admite perder tempo a discutir as suas certezas, porque “nunca tem dúvidas e raramente se engana”, como murmuram embevecidos os seus seguidores.

Qualquer que seja o Presidente da República, haverá sempre pontos de discordância com o governo, mas o que está em causa é a capacidade de diálogo para obter consensos. Sobre isto Cavaco Silva acredita (lá vem outra vez a fé) que, se tiverem a mesma informação, as pessoas chegam às mesmas conclusões. Esta calinada poderá ser desculpável em alguém com a quarta classe, mas era chumbo, pela certa, em Ciência Politica.
Também não me parece menos grave em quem ministra MBAs, e o facto de ser numa universidade confessional pode parecer atenuante, mas não abona para o caso. Por fim, o que ressalta é o vício do raciocínio de Cavaco Silva que o coloca em dificuldade para compreender pontos de vista diferentes dos seus.
Se calhar é por isso que fala pouco e como tal não facilita o diálogo nem propicia conciliações. Alguém se lembra dele como parlamentar? Ninguém. Ele é um PROFESSOR, na pior tradição dos lentes que as universidades portuguesas têm dado à política. Para os que andam esquecidos, Oliveira Salazar e Marcelo Caetano são dois exemplos.
Para eles, os parlamentos são um mal necessário (malvada Revolução Francesa), mas não os convidem a sujeitar-se ao vexame de terem de discutir as suas ideias com deputados a quem nunca dariam um 10, ou, cúmulo dos cúmulos, nem sequer passaram pelos bancos da faculdade.
Gostam de dar aulas, de preferência em universidades onde não há espaço para a contestação. Falam de cátedra e quando ascendem ao poder convivem mal com o poder dos outros.

A tudo isto acresce o facto de a direita estar sentida desde que foi expulsa do governo. Ma verdade, muito antes de Santana Lopes e Paulo Portas terem perdido as legislativas, já o povo os tinha expulso.
É por isso que a eleição de Cavaco Silva é tão essencial para a recuperação moral da direita. É uma tábua de salvação no oceano sem referências onde Santana e Portas a deixaram. Agarra-se a Cavaco com ânsias de náufrago e, apesar de as sondagens lhe assegurarem a vitória desde já, não arrisca nada. A sua estratégia também passa por dar tréguas ao governo. Vale tudo, para chegar ao poder, mesmo cantar a Vila Morena. Depois de lá estar logo se vê.
Porém, onde a direita perde completamente a vergonha é na descarada colagem de Cavaco Silva a Sócrates. Não passa um dia sem que os seus arautos se revezem em profissões de fé a prometer a estabilidade ao governo.

Mas só quem esqueceu a tese das “forças de bloqueio” é que cai na esparrela de acreditar que Cavaco Silva vai proporcionar estabilidade a um governo em que o Primeiro-ministro pensa pela própria cabeça.
Só um crente com o temor reverencial de Marques Mendes poderia coabitar com ele em sintonia.

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